MBL, João Amoêdo e Xico Graziano: bolsonaristas arrependidos ou oportunistas?

Todos são bem-vindos ao lado da trincheira que luta pelo impeachment, mas não podemos esquecer que eles só estão tentando salvar suas biografias.

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João Amoêdo, presidente do Novo, é um dos apoiadores do impeachment.

Foto: Miguel Schincariol/AFP via Getty Images

A popularidade de Bolsonaro despencou com a sua negligência diante da crise sanitária em Manaus e fez com que a movimentação pelo impeachment tomasse corpo. Até grupos que apoiaram a eleição do presidente, como MBL e Vem pra Rua, engrossaram o coro pelo impedimento. “Ele enganou todo mundo”, disse uma porta-voz do MBL.

É mentira, ninguém foi enganado. Antes de ser eleito, Bolsonaro declarou que metralharia seus adversários políticos, assumiu ser homofóbico, pesou quilombolas em arrobas, defendeu golpes de estado e milicianos, exaltou torturador na Câmara e disse que FHC deveria ter sido fuzilado na ditadura. Portanto, não é honesto afirmar agora que Bolsonaro “enganou todo mundo”. A franqueza talvez seja uma das suas únicas qualidades. Ninguém pode se dizer surpreso com o fato dele não ter apreço pela vida humana e empurrar seu povo para a morte com negacionismo científico.

Todos os bolsonaristas arrependidos são bem-vindos ao lado democrático do jogo, claro, mas algumas coisas precisam ser esclarecidas para que a história seja contada da maneira correta. Não me refiro aos eleitores, mas aos grupos políticos e analistas que patrocinaram um candidato com um projeto declaradamente antidemocrático e contribuíram para a ascensão do bolsonarismo ao poder. Trata-se de um erro muito grave para deixarmos passar em branco sem responsabilizar os arquitetos do descalabro que vivemos.

Pularam fora porque perceberam o naufrágio e agora buscam salvar suas biografias apoiando o impeachment.

O fato é que essa dita direita moderada tolerou um fascisminho aqui e outro ali porque acreditou que o ultraliberalismo de Paulo Guedes faria a economia decolar. O abandono do barco da extrema direita não foi feito porque se descobriu que a essência do projeto bolsonarista está na destruição da democracia. Não, isso já estava claro nas declarações do então candidato. O abandono se deu por oportunismo. Pularam fora porque perceberam o naufrágio e agora buscam salvar suas biografias apoiando o impeachment.

Que bom que eles mudaram de ideia, mas quando formos contar a história do bolsonarismo, não podemos esquecer quem foram seus co-autores. Bolsonaro não seria eleito sem o apoio desses que hoje tentam se descolar dele. Foram esses mesmos que lhe emprestaram um verniz democrático e o tornaram aceitável aos olhos da população.

Em março do ano passado, o cacique do partido Novo, João Amoêdo, afirmou que não se arrependia de ter votado em Bolsonaro, porque o objetivo era nobre: barrar a volta do PT. Amoêdo e sua turma toparam patrocinar um candidato fascitoide em nome do ultraliberalismo de Paulo Guedes. Arriscaram a democracia colocando o país nas mãos de um psicopata que a desprezava.

Amoêdo hoje se coloca a favor do impeachment, mas sem fazer nenhuma autocrítica ou explicar para os eleitores porque seu partido ainda é um dos mais fiéis aos projetos bolsonaristas na Câmara. Apesar da fala de Amoêdo, o Novo continua fiel ao governo do presidente, e muitos de seus parlamentares são contra Bolsonaro deixar o Planalto. Um dos principais nomes do partido, Marcel Van Hattem, trabalha contra o impeachment e afirmou que Bolsonaro não cometeu crime de responsabilidade, o que, sabemos, é mentira.

O MBL se desdobrou pela eleição de Bolsonaro no segundo turno. O apoio dos jovens liberais ajudou a tornar o fascistoide mais palatável aos olhos dos eleitores. A molecada emprestou seu ar de modernidade liberal a uma candidatura jurássica e autoritária. Durante o segundo turno, Kim Kataguiri declarou voto em Bolsonaro porque, segundo ele, a vitória de Haddad seria “uma ameaça à democracia”. Disse ainda que o programa do petista representava “um cenário de totalitarismo assustador”. Ou seja, para eles, o professor, que foi prefeito de São Paulo e ministro da Educação por sete anos sem jamais ter demonstrado uma postura antidemocrática, representava uma ameaça maior para a democracia do que o militar que construiu sua carreira como deputado exaltando a ditadura militar.

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Renan Santos, Kim Kataguiri e Alexandre Santos, membros do MBL.

Foto: Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo/AE

Haddad, aliás, profetizou durante a campanha: “Bolsonaro é o casamento do neoliberalismo desalmado de Paulo Guedes com o fundamentalismo charlatão de Edir Macedo”. Não era uma bravata eleitoral, mas um fato bastante claro para qualquer democrata. Que bom que agora temos o apoio do MBL ao impeachment, mas o grupo não tem nenhuma condição moral de protagonizar o processo como fez no impedimento de Dilma.

Mas entre tantas caras de pau, nenhuma é maior que a do ex-ministro tucano Xico Graziano. Durante a campanha, ele atuou com fervor em defesa da eleição de Bolsonaro. Durante todo o primeiro ano de governo, manteve apoio incondicional ao presidente. Quando a pandemia chegou, Graziano engrossou o coro dos negacionistas e afirmou que ela seria “uma invenção do jornalismo catastrófico”. Mais recentemente, depois de bajular o bolsonarismo por tanto tempo, o ex-tucano mudou da água para o vinho, se transformando em um crítico feroz do governo. Sem fazer um mea culpa, como se nada tivesse acontecido, Xico Graziano lançou no final do ano passado um livro chamado – pasmem! – “O fracasso da democracia no Brasil”. Cara de pau ainda é uma expressão fraca para definir o tamanho dessa hipocrisia. Talvez não exista um verbete adequado na língua portuguesa

Muitos acreditam que Graziano queria um cargo no governo, o que me parece um bom palpite, já que a puxação de saco era ostensiva. Isso confirmaria uma frase que tem sido dita por aí: “não existe bolsonarista arrependido, existe bolsonarista que não teve suas demandas atendidas”.

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Xico Graziano foi de apoiador fervoroso a crítico feroz de Bolsonaro.

Foto: Reprodução/Youtube

Entre os principais analistas de política da grande imprensa, ficou sacramentada a ideia de que Paulo Guedes era “extremamente preparado”, o que sempre esteve longe de ser verdade. Além de ter sido um colaborador do governo sanguinário de Pinochet, Guedes teve sua carreira marcada também por perder muito dinheiro no cassino financeiro. Era um day trader dos mais alucinados, como ficou claro em um perfil publicado por Malu Gaspar na Piauí.

A direita moderada e a grande imprensa conseguiram fazer a mágica de transformar um colaborador de um regime ditatorial, um junkie do cassino financeiro, em um fiador democrático do bolsonarismo.

Há quem diga que constranger ex-bolsonaristas arrependidos é contraproducente para o processo de impeachment. Bobagem. Esse constrangimento é um preço muito baixo a se pagar para quem ajudou a colocar um facínora no poder e isso não prejudicará o movimento pelo impeachment. Não estamos falando de pessoas que simplesmente votaram mal, mas que votaram em um projeto que tinha cara, cheiro e cor de fascismo.  Quem patrocinou o obscurantismo tem que ter o seu nome cravado na História, porque senão ela seguirá a velha máxima: ou se repetirá como tragédia ou como farsa. Alguns chamam essa cobrança de rancor. Eu chamo de justiça histórica.

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